quarta-feira, 30 de julho de 2008

Minha última paixão



O país dos analfabetos

O aposentado Manoel Liberato tem 86 anos e vive em São Sebastião, no litoral de São Paulo. A alfabetização dele deveria ter iniciado por volta de 1928, quando tinha 6 anos de idade, mas só começou no ano passado, por meio de um programa do Governo Federal. Apesar dos oito meses de dedicação, ele admite que ainda falta muito para se considerar “estudado”. “Tenho dificuldade em juntar as letras. Estou velho e não tenho e mesma memória das crianças”, explica.

Em 2007, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) informou que o País tem 14 milhões de pessoas que não sabem assinar o próprio nome – cerca de oito milhões desses brasileiros votarão nas próximas eleições. A maioria é de trabalhadores rurais, nordestinos, negros ou pardos. Segundo o Indicador Nacional de Analfabetismo Funcional (Inaf), a situação é pior ainda: 72% da população têm dificuldade em compreender e interpretar textos.

Entre os anos de 1996 e 2006, a população analfabeta diminuiu de 14,8% para 10,8%. Apesar de o Brasil passar por uma queda constante nos indicadores de analfabetismo absoluto, referente àqueles que nunca foram à escola, o País ainda é o segundo da América do Sul com maior número de iletrados, só à frente da Bolívia.

Segundo Ana Lúcia Lima, diretora-executiva do Intituto Paulo Montenegro – responsável pelo Inaf – a alfabetização vai muito além da compreensão ou escrita de frases simples. Ela explica que para ser considerado plenamente alfabetizado é preciso aprender a localizar informações em textos longos, distingüir opiniões de fatos, interpretar gráficos e mapas. No estudo, são avaliadas as habilidades de leitura e escrita, e registrados hábitos de leitura, grau de instrução e renda média familiar. Com a pesquisa, percebeu-se que o desenvolvimento da alfabetização está vinculado a diversos motivos. Como era de se esperar, pessoas com menor escolaridade mostraram ter mais dificuldade em desenvolver a alfabetização. Mas, muitas vezes, pessoas que passaram o mesmo número de anos na escola têm níveis diferentes de habilidades. “Uma criança de pais analfabetos tem mais dificuldade de desenvolver a alfabetização”, explica Ana.

Criado em 1967, o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral) levava a bandeira da erradicação do analfabetismo, que naquela época atingia mais de 30% dos brasileiros (veja outras iniciativas no quadro abaixo). Entretanto, os mutirões do programa se limitavam apenas a ensinar as primeiras letras e números. Hoje, diversas iniciativas de instituições governamentais ou independentes ainda erram no mesmo ponto em que o Mobral falhou. A evasão escolar é outro fator que faz com que muitos brasileiros não continuem nas salas de aula. André Lazaro, secretário de alfabetização e diversidade do Governo Federal, explica que o programa Brasil Alfabetizado oferece as ferramentas de alfabetização, ensinando o domínio das primeiras letras e números, para que depois o aluno freqüente aulas de educação de jovens e adultos.

Para o senador e ex-ministro da Educação Cristovam Buarque, o motivo para a desistência está em não criar o gosto pela leitura nos alunos. “A educação é um meio de emancipação pessoal. O Mobral não era ruim, o problema era que não tinha continuidade. Era apenas alfabetização, não tinha ‘leituração’. E a pessoa que não lê limita seus caminhos na vida”, conclui o senador.Um dos argumentos mais recorrentes para o aumento do investimento na alfabetização é o retorno econômico. Segundo o IBGE, residências com rendimento maior que R$ 4.150 (dez salários mínimos) têm apenas 1,5% de taxa de analfabetismo, enquanto que nas famílias que sobrevivem com menos de R$ 415 mensais o índice salta para 29%. “O que faz uma economia ser desenvolvida ou não é a quantidade de cérebros que ela tem”, afirma Cristovam Buarque. Entretanto, ele ainda avalia que mais importante do que considerar o crescimento da riqueza do País é perceber o impacto social da alfabetização. “O prazer que uma senhora tem ao aprender a escrever o nome do neto não aparece no Produto Interno Bruto (PIB)”, exemplifica.



Margarida vai ler a Bíblia

As irmãs Maria Matias da Silva, de 50 anos, e Margarida Maria da Conceição, de 56, passaram a infância com outros sete irmãos ajudando a família num canavial de Alagoas. “Não tinha tempo para ir à escola”, explica Maria Matias.

Quando a juventude chegou, as duas se despediram de Alagoas – estado com o maior número de iletrados, um em cada quatro pessoas – e mudaram-se para São Paulo. Hoje, moram no bairro de Paraisópolis, favela na zona sul da cidade. Margarida, que é dona de casa, trabalhava como cozinheira. “Era muito triste quando a patroa pedia para eu fazer um prato diferente e eu não sabia ler a receita”, diz.

Há cinco anos, a associação de moradores da comunidade motivou-se com um indicador divulgado pela Secretaria Municipal da Educação. Segundo estimativas, dos 70 mil habitantes de Paraisópolis, pelo menos 15 mil eram analfabetos. Por iniciativa de um grupo de jovens da comunidade, salas de aula foram formadas. A idéia foi batizada de “Escola do Povo”. Os professores são moradores da comunidade com o ensino médio completo.

Após cinco meses de estudos, Margarida aprendeu a escrever o próprio nome e a se localizar lendo as placas de rua. Agora, dois dos maiores sonhos dela poderão ser realizados: substituir a digital dos documentos pela assinatura e ler a Bíblia.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Conceição boa de briga

10 perguntas para Conceição Paganele

Funcionária pública mobiliza mães de menores infratores contra violência da antiga Febem
Presidente da organização não-governamental Associação de Mães e Amigos de Crianças e Adolescentes em Risco (AMAR), a funcionária pública Conceição Paganele, de 52 anos, luta há dez anos para que internos da Fundação Casa, antiga Febem de São Paulo, hoje com 5.500 jovens infratores, tenham alguma chance de reabilitação. Sua batalha começou em 1998, quando seu filho adolescente Cássio roubou para comprar drogas, foi preso e mandado para a Febem. Conceição fala das dificuldades em substituir a cultura de opressão praticada na Fundação Casa, por uma prática que realmente recupere os jovens.

1- Como começou a luta por uma Febem mais humana?
Tenho cinco filhos. Na adolescência do caçula, o Cássio, começou a se isolar da família. Isso me deixava muito angustiada. Até que começaram a sumir coisas em casa. Certa vez deixei um dinheiro na minha bolsa, de propósito. Quando ele pegou o dinheiro e saiu, eu o segui. Vi quando ele passou muito rápido por um ponto de tráfico e saiu. Foi muita angústia. Procurei quem poderia me ajudar: conselho tutelar, varas da infância, mas não havia muita coisa para fazer. Ele só seria internado se quisesse. E, ele não queria.

2- Como seu filho entrou na Febem?
A droga é um saco sem fundo. Até que o Cássio começou a roubar e foi preso. Quando soube que ele iria para a Fundação do Bem-Estar do Menor (Febem, atual Fundação Casa, desde dezembro de 2006), fiquei até tranqüila. Porque, na minha ignorância, ali ele teria ajuda de psicólogos, assistentes sociais. Mas, foi onde me enganei totalmente. Na primeira vez que visitei, vi que era um campo de concentração. Os meninos estavam mal-vestidos, pareciam meninos de rua e fediam, tinham um cheiro forte. Era cheiro de tortura, quando se entra num lugar que tem tortura, você reconhece na hora.

3- A maior parte dos meninos da Febem tinha a mesma trajetória?
A maior parte é pobre e a maioria também tem essa história. Isso que me fez começar a lutar. Isto é, se eles têm problemas com drogas, precisam de uma unidade diferenciada. Na Febem não havia um atendimento psicológico, um projeto de vida. Fui atrás de alternativas para o problema da droga, já que não é um problema de polícia, mas sim de saúde pública. Aí, eu comecei a viver a Febem 24 horas por dia.

4- Do que as mães precisam quando a procuram na Associação?
Principalmente desabafar. Pensar um caminho ou pedir uma ajuda junto ao Ministério Público. Infelizmente, por mais que existam algumas pessoas na Fundação Casa que queiram mudar o histórico de torturas, outro escalão não quer que isso mude. Eles acham que adolescentes que cometem infração tem que viver daquele jeito. É uma loucura, devem ser loucos.

5- O que aconteceu com seu filho, quando você contestou o sistema da Febem?
Ele ficava neutro. Até que eu preferi também agir nas unidades em que ele não estava. Ali eu era mãe de todos, era um luta coletiva. Eu não queria mais apenas o bem-estar do meu filho, mas sim a mudança da cultura de violência e que todos os filhos saíssem melhor do que entravam.

6- O sistema da Febem mudou quando o nome mudou para Fundação Casa?
Está a mesma coisa. Tanto que eles proibiram a nossa entrada. Mas, acabamos de ganhar na justiça o direito de visitar a Fundação Casa. E se a Febem rejeita nossa entrada é porque ela tem o que esconder. Porque eu não vou querer receber alguém se minha casa está uma sujeira, podre e fedida.

7- Os grandes complexos da Fundação Casa diminuíram, conforme o governo do estado de São Paulo divulga?
Sempre foi uma luta da Amar que as unidades fossem pequenas, com cerca de 40 internos, e com as famílias perto dos meninos. Para que a comunidade visite e saiba como esse menino está sendo tratado, para fiscalizar como o governo do estado está gastando o dinheiro dos impostos que nós pagamos. Só que as unidades menores ainda têm torturas, mas não tem mais aquele estrondo dos grandes complexos.

8 – A senhora já sofreu ameaças?
Depois do episódio de janeiro de 2005, quando eles quase mataram os meninos depois de tanto os espancarem, o então presidente da Febem, o advogado e professor universitário Alexandre de Moraes, deu ordem de prisão a alguns funcionários. Eles sabiam que eu quem os tinha denunciado e a partir desse momento, comecei a receber ameaças de morte.

9 - A situação seria diferente se os filhos da classe média estivessem na Fundação Casa?
Com certeza. Tanto é que as cadeias em que estão pessoas com maior poder aquisitivo nem parecem que estão presos. Eles não se acham criminosos, pensam que estão acima da lei. O tratamento é diferente. Se a classe média estivesse na Fundação Casa, o tratamento seria bem diferente.

10 - Qual palavra diria para alguém que está passando pelo que a senhora passou?
Cada um deve buscar a força superior e acreditar que vamos vencer. Ninguém pariu filhos drogados, ladrões. Nunca se omitam, andem sempre de cabeça erguida e não deixe que ninguém as massacre fazendo com que pensem que não souberam criar seus filhos. Para gerar, é necessário o útero materno. Mas para criar, é preciso o útero social e para tanto é preciso ter todas as políticas públicas ao nosso redor para formarmos cidadãos do bem.

------ Publicada em Folha Universal

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Autistas e Geniais

Aos três anos da idade, André Augusto Robledo, hoje com 17, aprendeu a ler de uma maneira curiosa: através de centenas de nomes de uma lista telefônica. Precoce e de habilidades intelectuais impressionantes, foi assim que seus pais perceberam que ele era especial. Diferente de seu irmão Felipe – um ano mais novo – André Augusto não chorava, falava pouco e não fixava o olhar em quem se aproximava dele. Preocupados com o comportamento do filho, misto de hiperatividade e apatia, os pais buscaram orientação com psicólogos e psiquiatras no Brasil e no exterior. “Foi quando uma médica em Campinas o identificou como autista. Naquela hora, tive um choque, porque imaginava que meu filho ficaria como aqueles personagens de filmes, sempre quietos”, lembra a mãe, Márcia.

Neuza Maria Silva, também é mãe de um rapaz especial, o caçula da família, com 24 anos. Silencioso demais quando criança, André Moreno tinha fixação por objetos, que analisava por horas a fio. “Se alguém desse um carrinho de presente, ele apenas ficava olhando o brinquedo durante um tempão”, recorda Neuza. Os interesses dele sempre foram muito específicos. “Aos quatro anos, ele corrigia alguém que dissesse que era 10 da manhã, quando na verdade era 9h58”, explica a mãe.

O autismo, também conhecido como Transtorno Invasivo de Desenvolvimento (TID), atinge cerca de 5 a 15 pessoas em cada 10 mil, numa proporção de quatro homens autistas para uma mulher. No entanto, André Augusto e André Moreno são considerados autistas de alta funcionalidade, ou portadores da síndrome de Asperger (SA). Segundo a psicóloga e assistente social Eliana Boralli, fundadora da Associação dos Amigos da Criança Autista (Auma), o distúrbio causa alterações no comportamento, na convivência social e na comunicação dos portadores.

Em artigo publicado no “Journal of Child Psychology and Psychiatry”, o pesquisador americano Ami Klin, da Universidade de Yale, analisa que a síndrome de Asperger é um transtorno de desenvolvimento neurológico marcado pelo precoce desdobramento de algumas habilidades, como leitura, mas também pelo atraso em atividades sociais ou comunicativas. “Um dos mais fascinantes fenômenos no autismo é a presença de ilhas mentais para habilidades especiais, como memorização de listas, cálculos de calendários, desenho ou aptidões musicais”, escreve Klin.

Essas capacidades são facilmente identificadas nos dois Andrés. Diante de perguntas como o dia do nascimento ou óbito de alguma celebridade, resultados de jogos de futebol e programações televisivas de todos os dias da semana, André Augusto acerta tudo, como um “Google” humano (site de busca de informações na internet). “David Coultard”, replica instantaneamente, quando questionado sobre o nome do piloto que alcançou a poleposition do GP de Mônaco, no ano 2000. “Em que dia aconteceu?”, desafia o pai. “4 de junho”, rebate o garoto prodígio. A memória também permite que ele decore 25 anos de calendário, informações de programas de televisão e tudo sobre carros. “Quando um automóvel passa por nós, André Augusto fala o ano do carro, o modelo, o endereço da concessionária e o valor exato, além de desenhá-lo com detalhes. Eu nunca conseguiria fazer algo assim”, admira-se o pai, Eduardo.

Já André Moreno desenvolveu sua paixão pela música, graças às aulas dadas pela filha da vizinha. Aprendia tudo muito rapidamente. Tamanho empenho e aptidão musical inquestionáveis foram ingredientes essenciais para moldar a atual profissão dele: pianista. Além de exímio músico, é excelente para fazer cálculos. “Ele sempre foi louco por números”, afirma a mãe dele.

Memorização diferente
A memória e capacidade de resolver problemas matemáticos pelos chamados aspergers é totalmente diferente da maneira como todos aprendem na escola. “Não é por raciocínio lógico que eles alcançam os resultados, mas sim por imagens”, explica Eliana. Dessa maneira, cada número é visto com uma forma que tem cor e textura. Dependendo como duas ou mais figuras são combinadas, encontra-se o resultado exato de uma subtração, divisão, adição ou multiplicação.

André Augusto pouco freqüentou a escola tradicional. “Ele já sabia ler e escrever enquanto as outras crianças ainda estavam aprendendo o alfabeto”, recorda o pai. Devido à alta capacidade de assimilação das lições e ao comportamento hiperativo, o menino precisou deixar o colégio. “O ensino convencional não estava preparado para receber um aluno como ele”, relata a mãe. “Lá ele precisava ficar sentado quieto cinco horas por dia, o que para ele é impossível. Sei que ele tem o direito de estudar em qualquer escola pública ou particular, mas nesses lugares o André Augusto não receberia a atenção que precisa”, argumenta. Além das preocupações educacionais, a família temia pela reação dos outros alunos com seu filho especial. “Na escola eu percebo que alguns garotos pegam no pé de outros. Então, se ele estudasse na mesma escola que eu, teria que tomar conta dele em vez de estudar”, explica o irmão Felipe.

O pequeno gênio foi confiado à Auma, para que recebesse o aprendizado necessário para a vida em sociedade. “Eles aprendem o comportamento humano, mas não o entendem, já que viver em sociedade exige interpretação das leis e regras”, analisa Eliana Boralli. “Num velório, um asperger pode falar alto, porque não entende o acontecimento. Por isso, é preciso explicar para ele que é preciso agir de forma complacente naquele momento”, exemplifica.

A mãe de Moreno sentiu na pele a dificuldade de inclusão do filho em colégios convencionais. “Toda vez que eu era honesta e explicava que ele era um menino especial as escolas diziam que não aceitavam quem era diferente“, lamenta Neuza. Defendendo a permanência de Moreno na escola, a mãe dele precisou comprar brigas com os diretores. “Eles excluíam em vez de incluir”, conta.

Inteligência extraordinária
Poucos sabem do quadro de transtorno neurológico que grandes personagens da história apresentavam. Albert Einstein, Wolfgang Amadeus Mozart e Bill Gates são alguns exemplos da genialidade desencadeada pela síndrome de Asperger. “Analisando o perfil comportamental, inteligência e comunicação, eles reúnem todas as características que conduzem a um diagnóstico de síndrome de Asperger”, conclui a Eliana.

Um dos melhores amigos da psicóloga é tão genial quanto os grandes mestres da ciência. Alto executivo de uma multinacional, ela conta que ele fala nove idiomas e diferencia espécies de pássaros com a mesma facilidade com que compõe músicas. Como forma de se preservar contra algum tipo de preconceito, prefere não conceder entrevistas. “Ele veste uma armadura e interpreta a normalidade. Poucos sabem que ele tem transtorno invasivo de desenvolvimento”, conta Eliana. Segundo ela, no entanto, ele orienta famílias como tradutor do mundo interior dos pequenos autistas. “Acho que a natureza foi muito generosa ao criar a síndrome de Asperger, pois eles são os intérpretes de quem não consegue se expressar”, agradece a psicóloga que tem uma filha autista.

-- publicado em Folha Universal
foto: Lumi Zunica

quarta-feira, 19 de março de 2008

Quase Olímpico

Esportes que cumprem todas as exigências do Comitê Olímpico Internacional ficam fora dos jogos por conta da superlotação


Por Marília Melhado

Olimpíada de 2008 em Pequim, na China, começa dia 24 de agosto. Para os 24 mil atletas que vão disputar os jogos, trata-se de um sonho realizado. Para outros, o acontecimento representa tristeza por suas modalidades não participarem. Para ser reconhecido e entrar nesse restrito grupo de competidores, é necessário cumprir exigências do Comitê Olímpico Internacional (COI). Um dos requisitos é que a modalidade seja praticada por homens em no mínimo 75 países e quatro continentes e por mulheres em 40 países e três continentes. Entretanto, muitos cumprem as exigências e ainda assim não são aceitos. O COI apenas admite novos esportes se outros saírem. Caratê, squash, surfe e rúgbi são alguns nessa situação.


Desde 2005 há duas vagas abertas. Caratê e squash foram os mais votados na Comissão Olímpica, mas não tiveram o número mínimo de dois terços dos votantes. “O que faltou foi lobby”, afirma Tiago Cabral, presidente da Associação de Profissionais de Squash do Brasil. Segundo ele, angariar patrocínios fica mais fácil para quem tem a visibilidade proporcionada pelas Olimpíadas. O presidente da Confederação Brasileira de Caratê, Edgar Oliveira, lembra que a arte marcial tem condições de subir ao pódio. “A Olimpíada é um sonho de muitos anos”, garante.



Em situação complicada está o Futsal. Apesar da Federação Internacional de Futebol (FIFA) ser reconhecida pelo COI, não é um esporte olímpico. Segundo Aécio de Borba Vasconcelos, presidente da Confederação Brasileira de Futsal, para que a modalidade entre nas olimpíadas, o COI exige que a Fifa libere 11 jogadores acima de 23 anos para jogar no futebol de campo. “A Fifa não pode ceder porque isso levaria à realização de praticamente uma Copa do Mundo a cada dois anos”, afirma.



---publicada em Folha Universal

segunda-feira, 17 de março de 2008

A terra treme: Rossellini em cartaz


Considerado o precursor do cinema moderno, Roberto Rossellini foi diretamente responsável pela inspiração de diretores como Glauber Rocha

Por Marília Melhado

Em 1945, Roberto Rossellini consagrou o cinema moderno europeu com a apresentação do que seria um de seus grandes filmes, Roma, Cidade Aberta. Marco inicial da escola do neo-realismo e aclamado em várias partes do mundo, o filme-manifesto narra a resistência italiana durante a ocupação nazista. Vinícius de Moraes, após assistir à estréia do filme em Nova York, escreveu um artigo afirmando que “Rossellini cumpria a missão primacial de qualquer obra de arte que queira permanecer além de seu tempo: revelá-lo com linguagem própria pelo uso de seus mais sentidos temas”.

O cineasta chegou a ser glorificado nos anos 1960 pelo movimento francês Nouvelle Vague, dos diretores Jean-Luc Godard e François Truffaut, como o pioneiro do neo-realismo italiano. ”Apesar de muitas contestações” – como assinala a professora Mariarosaria Fabris, autora do livro O Neo-realismo Cinematográfico Italiano –, Rossellini “inaugura um testemunho cinematográfico do período da segunda-guerra mundial”.

Fabris explica que o papel dos cineastas neo-realistas era de tornarem-se cronistas do pós-guerra e Rossellini, por sua vez, interessava-se especialmente por retratar situações reais dentro da ficção. Seu roteiro era mais livre, a fim de conceder maior liberdade às cenas.

Depois de concluir por sua Trilogia da Guerra (com as produções Roma, Cidade Aberta, Alemanha, ano zero e Paisá), o diretor se mostrou preocupado com ausência de fé em seu povo, após o final do conflito na Europa. O longa-metragem Stromboli, terra de Dio é um dos mais apreciados dessa fase do autor.

Em 1964, Rossellini rompe com o cinema, anunciando a morte do meio. Como grande experimentador, passou a se decidir pela busca do público através da veiculação de filmes exclusivos para televisão. Seguiu-se uma fase espiritualista, em que ele abdicou da obsessão formal por um cinema de conteúdo pedagógico. O cineasta brasileiro Joel Pizzini explica que o diretor passou a ver a salvação da dignidade do cinema por meio da realização de filmes para o grande público, que fizessem grandes metáforas da humanidade. “O longa-metragem Santo Agostinho (filmado para o canal RAI), por exemplo, é cheio de recados sobre a crise ética”.

A escola Rossellini

“Nunca vi ninguém filmar tão rápido, aliás, ali eu saquei realmente o negócio de idéia na cabeça e câmera na mão”, afirmou Glauber Rocha em seu curta-metragem Di, relembrando o primeiro encontro com o italiano Roberto Rossellini. Glauber recorda o encontro com o pai do movimento cinematográfico neo-realista, fazendo uma clara referência à célebre frase sobre o Cinema Novo.

Joel Pizzini, um dos responsáveis pelo resgate da obra de Glauber, explica que, apesar de se declarar essencialmente ligado ao mito do cineasta russo Sergei Eisenstein, Glauber buscou, no autor de Roma, Cidade Aberta, a alusão necessária para o movimento brasileiro encontrar “a voz do homem”. “A influência de Eisenstein se dá pelo tom épico na obra do Glauber, mas a autoridade de Rossellini trouxe o conteúdo humanista”, entende Pizzini.

A inspiração vinha da intenção de trazer um tom reflexivo aos filmes brasileiros. “Para o Cinema Novo, um movimento que se pretendia revolucionário, não poderia deixar de apreciar os exemplos estrangeiros”, afirma Fabris. Em Barravento, primeiro longa-metragem de Glauber Rocha, esse diálogo foi confirmado, quando o cineasta afirmou que esse filme não era arte e sim um manifesto.

Acerca da influência de forasteiros, o ex-militante do Cinema Novo Cacá Diegues – em uma mesa de debates no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo, em fevereiro de 2007 – afirmou que essa busca vinha da necessidade de encontrar alguma reminiscência cinematográfica: “As chanchadas, que nós considerávamos paródias de filmes americanos, não poderiam ter nenhum interesse em ser aquilo que nós desejávamos fazer”.

Mesmo o longa-metragem Terra em Transe, famoso pelo seu caráter contestador, seguia uma onda presente no mundo todo. Segundo Pizzini, o neo-realista argumentava que o Cinema Novo deveria estar mais sintonizado com o que estava acontecendo nas ruas, para compreensão das transformações que aquele ano trazia. Rossellini afirmava que, até aquele momento, apenas Jean-Luc Godard conseguiu retratar esse espírito, em A Chinesa e Week End.

Em sua primeira visita ao Brasil, o cineasta italiano, veio tentar filmar - a convite do autor Josué de Castro - uma versão do livro Geografia da Fome. O projeto não vingou devido à negação de apoio do governo do presidente Jânio Quadros. “Eles alegaram que Rossellini era um cineasta superado e não poderia realizar uma película sobre o livro de Josué de Castro”, conta Pizzini. Sobre o fato, o embaixador Arnaldo Carrilho, chefe da difusão cinematográfica no Itamaraty (1962-64), escreveu que Jânio acreditava que uma obra cinematográfica baseada em Geografia da Fome era “detrimental à imagem do Brasil”.

Segundo as pesquisas de Pizzini, o cineasta francês François Truffaut comentou que o pai do neo-realismo tinha um projeto de filme chamado Brasília. Outros registros ainda apontam que Rossellini tinha intenção de filmar Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre – que considerava uma mensagem do Brasil a um mundo dividido por ódios –, e também de adaptar o romance de Jorge Amado, Capitães de Areia. “Ele sempre tentou filmar no Brasil, mas nunca conseguiu. Na verdade, eu suponho que ele gostaria de filmar o projeto de Brasília, como um amálgama de Jorge Amado, Josué de Castro e Gilberto Freyre”.

Durante uma mesa-redonda sobre Pesquisa em Televisão e Cinema na América Latina, Rossellini defendeu seu ponto de vista de produção de obras “inspiracionais” para a TV e irritou-se com os jovens cineastas brasileiros, que, segundo ele, ainda não tinham delimitado uma estratégia de combate. “Ou se luta, ou não se luta. E para lutar é preciso ter o domínio e a atualização das informações. (Os jovens brasileiros) perdem-se numa linguagem ideológica velha, gasta, repetida e sem nenhuma eficácia diante dos verdadeiros problemas políticos e sociais de hoje”, argumentava Rossellini para o escritor brasileiro Mario Chamie. “Rossellini admirava o Cinema Novo, mas achava que o brasileiro ainda estava preso a um certo dirigismo ideológico“, recorda Chamie.

Neste ano, Joel Pizzini termina um curta-metragem sobre a vida e a passagem do cineasta italiano pelo Brasil. A produção já tem nome definido, A morte do pai, e é baseada num relato inédito do rebento Renzo Rossellini. Para o segundo semestre de 2007, também acontecerá uma mostra no Centro Cultural Banco do Brasil de Brasília e do Rio de Janeiro, sobre a obra televisiva do mestre neo-realista. Steve Berg, curador da exposição, conta que a data ainda não está definida, mas garante que o evento está sendo organizado com muito esmero, “até pela importância que o Rossellini tem no cinema brasileiro, como idealizador do plano-seqüência (cena longa, sem corte), muito usada por Glauber Rocha”.

-----publicada em Revista Cult.

domingo, 16 de março de 2008

Zé Celso: Filho de Baco

Aos 70 anos, Zé Celso desafia os valores e a moral com seu alegórico teatro dionisíaco.


Por Marília Melhado


Muito benquisto, principalmente pelos taxistas da região do Bixiga, em São Paulo, Zé Celso é mais do que uma figura emblemática. "Ele tem o Q.I. acima da média, é um gênio", afirma um motorista, "o cara é amigo do Suplicy e do Caetano Veloso, consegue falar com o presidente a hora que ele quiser", garante.

Mais de quatro décadas de espetáculos e polêmicas marcam a história de um dos mais famosos grupos teatrais do Brasil. Capitaneado pelo diretor Zé Celso Martinez Côrrea, o Teatro Oficina deixa marcas por onde passa. "Os Sertões", clássico de Euclides da Cunha, é a atual menina dos olhos do diretor. Apresentações do espetáculo acontecem desde 2001, passando até mesmo por palcos estrangeiros como o do Volksbühne, em Berlim.

A adaptação do livro foi dividida em 5 partes: A Terra, O homem parte I, O Homem parte II, A Luta parte I e A Luta parte II. Somadas, o espetáculo resulta em mais de 26 horas. De quarta à domingo são ensaios e espetáculos das 17h às 00h. Eventualmente, o ensaio do Oficina pode chegar até às 5 da manhã. Zé tem consciência de sua exigência e conta que muitos atores abdicaram de seus antigos trabalhos para se dedicarem ao Oficina em tempo integral. "É um processo muito cruel. Exige muita concentração e dedicação ´transumana´". O grupo atualmente conta com atores que antes se dedicavam ao ensino da capoeira ou à prática da medicina.

Durante o mês de aniversário de Zé Celso - que completa 70 anos em 2007 -, seu teatro hoje também conhecido como Uzyna Uzona, se concentra na gravação de um longa-metragem. Zé explica que seu grupo não poderia perder a chance de documentar essa obra para o mundo. "A revolução digital, potencializa o ator, o teatro e a peça. É um momento importante, nobre e bonito", resume.

Chafurdando na vida

Quando se está do lado de fora do Oficina, esperando o portão (e não a habitual cortina) se abrir, ouve-se tambores, cantorias e um certo frio na barriga arrebata o espectador, premeditando o baque que irá suceder. De repente, um estrondo. A porta se abre e corpos insanos se espalham pelo lugar num tipo de apoteose transviada. "Atoar para poder voar", (atoar mesmo, não atuar!), é o mantra repetido freneticamente. O teatro invade a calçada e a rua Jaceguai, enquanto o público adentra o universo que perverte a ordem e as regras da sociedade.

Louvações aos orixás, deuses e personagens. Dionísio, Oswald de Andrade, Iemanjá. São inúmeras as referências culturais impressas no cotidiano daquele espaço. O espectador é convidado a participar das ações cênicas como saída de suas lástimas, conforme expõe Zé Celso: "Pessoas que são marcadas no processo social, vão ao teatro não para se lastimarem ou submeterem. Ali, em vez de recalcados, seus tabus são coroados e transformados em totens", garante.

Não só o público é exposto a um novo processo de experiência de vida. Zé acredita que o ator precisa se colocar como sujeito e objeto de experiências distintas. "É preciso estar disposto a passar por um processo de 'descabaçamento'. Você tem que chafurdar na vida e experimentar de tudo para poder exprimir alguma coisa a mais".

Ericson Pires, em sua tese de mestrado pela PUC-Rio, analisa a trajetória desta Uzyna de Corpos, e esclarece que assim como são como cultos dionisíacos que ameaçavam a ordem e os valores da pólis grega, "a experiência teatral, neste sentido, se aproxima da carnavalização que irrompe e rompe com o cotidiano da cidade. Sendo assim, o teatro se torna o espaço de indisciplina dos devires corpos em oposição complementar a vida ordeira das cidades".

A vida dentro e fora da Uzyna


"O Oficina não é uma família", expressa Zé Celso, quando questionado ao modo como o grupo se relaciona. "Procuro que seja uma associação de artistas e técnicos do Teatro Oficina - Uzyna Uzona. Mesmo que as pessoas tenham relações sexuais e afetivas entre elas, não é uma família. Uma família é uma coisa muito fechada. Já uma associação, é aberta a outras pessoas que participarão por um tempo, depois se vão", pontua.


O cotidiano dos atores já é amplamente conhecido, principalmente por quem freqüenta as redondezas. O teatro tem um sistema de permuta com o restaurante Piolin, habitual recinto da classe artística. Em dias de comemoração, o grupo também pode ser encontrado no tradicional Sujinho, vulgo "bar das putas". As noites de Zé, dentro e fora desses recintos, são sempre regadas pelo seu combustível predileto, o vinho. Mas, garante que os mais jovens costumam freqüentar mais festas do que ele, "preciso poupar as minhas energias".


Claro que nem todo mundo vê Zé Celso com bons olhos, e ele também não faz questão de agradar. Bárbara Heliodora, diretora e crítica de teatro, é um de seus desafetos. O diretor fala que Heliodora é uma empregada da burguesia, "Ela é o que se chamava antigamente de chaperonne, uma mulher que cuidava das crianças, lhes ensinando moral e bons costumes e as levava para espetáculos recomendados pela igreja". Bárbara Heliodora, quando procurada para falar de Zé Celso, foi taxativa em seu e-mail e respondeu que uma entrevista sobre o assunto seria "totalmente impossível".


Zé lembra que existem grandes estudiosos do teatro que sabem jogar luz em seu trabalho, vendo coisas que ele mesmo não percebia. Mas que outros críticos não admitem a existência de teatros como o Oficina, servem à classe alta, garantindo peças onde não há riscos de se encontrar cadeiras desconfortáveis ou cenas de nudismo. "É um prolongamento da novela. Um teatro feito com poucos atores, em peças de costumes para a terceira idade e que cobram muito caro. Tudo em palco italiano. Um teatro que não tem importância cultural ou deixa vestígios. Pode ser visto por milhões de pessoas, e não impressiona culturalmente a cidade, não toca em nada".


----- publicada em site Revista Cult

Abandonados


Por Marília Melhado

Não se sabe ao certo quantos eles são no País, afinal não têm nome, nem identidade conhecida e, o pior, não têm um passado. Invisíveis para a maioria dos brasileiros, eles estão nos leitos dos hospitais ou presos a cadeiras de rodas, definhando num desespero silencioso. Avenida Guapira, número 2.674, este é um dos endereços que abrigam os esquecidos, doentes que ninguém se lembra mais.

O Hospital Geriátrico e de Convalescentes D. Pedro II, fundado há 97 anos na zona norte de São Paulo, tem 500 internos. Para a maioria destes, o local é a única referência de lar: vivem há quatro, dez, trinta anos em meio às árvores e aos prédios de arquitetura antiga, com pintura desgastada. Todos chegaram transferidos de outras casas de saúde. Alguns têm família e recebem visitas, mas outros foram abandonados por filhos, sobrinhos, mães. Em situação mais difícil estão os internos sem identidade. Pacientes sem memória da própria vida. Ninguém sabe de onde vieram ou se alguém os procura. Sofrem pelas conseqüências de mal de Alzheimer, acidente vascular cerebral (AVC), traumatismo crâniano.

Desde jovem, Lourdes Faustino fugia de casa para morar nas ruas. Epiléptica e deficiente mental, ela sempre voltava à casa da irmã mais velha, Maria Madalena. Em 1999, Lourdes não retornou. Madalena iniciou uma busca que parecia ser em vão. “Todo mundo me dizia que tinha visto ela em algum lugar, mas quando chegava para buscá-la, não a encontrava”, recorda. Mal sabia que sua irmã estava em coma, internada no hospital Dom Pedro II, por causa de um ferimento profundo no crânio, fruto de um disparo de revólver. Depois de meses inerte, Lourdes retomou a consciência, pronunciando algumas palavras, entre elas, o nome da irmã, Madalena. Após nove anos de dúvida, a dona de casa finalmente rec beu notícias concretas. Um vizinho reconheceu Lourdes no Hospital Dom Pedro II e entregou uma foto dela à Madalena. “Reencontrar minha irmã foi uma alegria. Choramos muito”, lembra.

Hoje, Lourdes está impossibilitada de andar. Numa cadeira de rodas, ela guarda marcas da longa passagem pelas ruas. São sinais de agressões espalhados pelas pernas, braços e cabeça. “Polícia, não quero nem saber”, diz Lourdes, em meio a um mar de confusões verbais. As irmãs são companheiras desde os tempos de criança. Madalena sempre zelou pela saúde da irmã especial: “Quando Lourdes tinha alguma recaída, era eu que a levava para o hospital. Nunca bati nela, cuidava com amor”, conta Madalena, “Ela saía de casa e eu ficava muito preocupada. Para mim, sempre tinha alguém judiando dela na rua”, conta.

Até onde a memória alcança

“Adeus, amor” é o único verso da música “E Voltarei”, de Altemar Dutra, que José Joaquim de Moura consegue lembrar. Ex-pedreiro e ex-cozinheiro, está sentado à mesa com colegas – todos em cadeiras de rodas – paralisados olhando um para o rosto do outro. A fala repleta de pausas e suspiros resgata o que ainda lhe resta do passado. Lembra-se de sua irmã Bernadete que era pro­prietária de um bar, onde Joaquim co­zinhava. “Fazia almoço pa­ra a peãozada”, recorda o idoso de aparentes 70 anos. “Como o senhor chegou aqui no hospital?”. Pausa. “Não lembro”. “Aqui eu não faço nada. Fico sentado quieto até me recolherem para dormir”, conta.

Joaquim então puxa assunto sobre a vontade de ajudar a fazer uma reforma na casa de uma das funcionárias. Não há sorriso enquanto é fotografado. Até surgir uma nova lembrança. “Minha sobrinha Fabiana se casou com um pastor de uma igreja que ficava na Avenida Brigadeiro Luiz Antônio”. A assistente social alegra-se pela notícia. “É uma nova pista sobre sua família. Ele nunca tinha dito isso antes”, afirma Eliane Pereira da Silva. O almoço finalmente é servido: arroz, feijão e macarrão.

A partir de pequenas lem­branças, assistentes sociais fazem um trabalho de detetive para localizar familiares ou registro das pessoas – quase – esquecidas no mundo. Todas as possibilidades são tentadas: análise de boletim de ocorrências, impressões digitais, publicação das fotografias dos pacientes no site da Secretaria de Saúde. Eliane e Márcia Tomé, assistentes sociais do Dom Pedro II, já presenciaram diversos encontros e desencontros em seus anos de profissão. “Leva tempo até localizar os laços familiares de alguém”, relata Márcia. “A maior parte dos pacientes gosta de reafirmar que têm família, como forma de defesa, se resguardando de um sentimento de exclusão”, analisa Sueli Luciano Pires, diretora do hospital.

Andando pelos corredores do D.Pedro II, os pacientes cobram as assistentes por um sonhado reencontro com familiares: “Meu sobrinho está vindo me buscar?”, pergunta uma senhora de cadeira de rodas. Diante da resposta afirmativa, ela se alegra: “Ai, mas que maravilha!”.

Sem números oficiais

A Secretaria de Saúde de São Paulo disponibilizou na internet imagens e informações de alguns dos pacientes não identificados, com o intuito de ajudar na localização de parentes e conhecidos. Os dados podem ser acessados no endereço http://saude.sp.gov.br/.

Desde que o projeto começou há dois anos, dos 184 pacientes que tiveram as informações divulgadas, 121 foram localizados pelas famílias. Não existe, em todo o País, um levantamento oficial do número de pacientes sem identidade em hospitais. Só no Dom Pedro II são 40 pacientes desconhecidos, e outros 100 identificados que nunca conseguiram localizar seus familiares por conta de falhas na memória. Para o diretor estadual de saúde, Ricardo Tardelli, a ferramenta deve ser utilizada em todo e qualquer caso que o serviço social definir como necessário para a divulgação. “Acho que o site não é usado plenamente, talvez porque ainda não o descobriram”, analisa Tardelli.

Segundo a assessoria de imprensa da Secretaria de Saúde de São Paulo, não há projetos de acompanhamento para os pacientes não identificados depois de receberem alta do tratamento. Não há assistência nem mesmo para os que não têm documentos ou não sabem de onde vieram.
-------publicada em Folha Universal
foto: Dárcio de Jesus