quinta-feira, 22 de maio de 2008

Conceição boa de briga

10 perguntas para Conceição Paganele

Funcionária pública mobiliza mães de menores infratores contra violência da antiga Febem
Presidente da organização não-governamental Associação de Mães e Amigos de Crianças e Adolescentes em Risco (AMAR), a funcionária pública Conceição Paganele, de 52 anos, luta há dez anos para que internos da Fundação Casa, antiga Febem de São Paulo, hoje com 5.500 jovens infratores, tenham alguma chance de reabilitação. Sua batalha começou em 1998, quando seu filho adolescente Cássio roubou para comprar drogas, foi preso e mandado para a Febem. Conceição fala das dificuldades em substituir a cultura de opressão praticada na Fundação Casa, por uma prática que realmente recupere os jovens.

1- Como começou a luta por uma Febem mais humana?
Tenho cinco filhos. Na adolescência do caçula, o Cássio, começou a se isolar da família. Isso me deixava muito angustiada. Até que começaram a sumir coisas em casa. Certa vez deixei um dinheiro na minha bolsa, de propósito. Quando ele pegou o dinheiro e saiu, eu o segui. Vi quando ele passou muito rápido por um ponto de tráfico e saiu. Foi muita angústia. Procurei quem poderia me ajudar: conselho tutelar, varas da infância, mas não havia muita coisa para fazer. Ele só seria internado se quisesse. E, ele não queria.

2- Como seu filho entrou na Febem?
A droga é um saco sem fundo. Até que o Cássio começou a roubar e foi preso. Quando soube que ele iria para a Fundação do Bem-Estar do Menor (Febem, atual Fundação Casa, desde dezembro de 2006), fiquei até tranqüila. Porque, na minha ignorância, ali ele teria ajuda de psicólogos, assistentes sociais. Mas, foi onde me enganei totalmente. Na primeira vez que visitei, vi que era um campo de concentração. Os meninos estavam mal-vestidos, pareciam meninos de rua e fediam, tinham um cheiro forte. Era cheiro de tortura, quando se entra num lugar que tem tortura, você reconhece na hora.

3- A maior parte dos meninos da Febem tinha a mesma trajetória?
A maior parte é pobre e a maioria também tem essa história. Isso que me fez começar a lutar. Isto é, se eles têm problemas com drogas, precisam de uma unidade diferenciada. Na Febem não havia um atendimento psicológico, um projeto de vida. Fui atrás de alternativas para o problema da droga, já que não é um problema de polícia, mas sim de saúde pública. Aí, eu comecei a viver a Febem 24 horas por dia.

4- Do que as mães precisam quando a procuram na Associação?
Principalmente desabafar. Pensar um caminho ou pedir uma ajuda junto ao Ministério Público. Infelizmente, por mais que existam algumas pessoas na Fundação Casa que queiram mudar o histórico de torturas, outro escalão não quer que isso mude. Eles acham que adolescentes que cometem infração tem que viver daquele jeito. É uma loucura, devem ser loucos.

5- O que aconteceu com seu filho, quando você contestou o sistema da Febem?
Ele ficava neutro. Até que eu preferi também agir nas unidades em que ele não estava. Ali eu era mãe de todos, era um luta coletiva. Eu não queria mais apenas o bem-estar do meu filho, mas sim a mudança da cultura de violência e que todos os filhos saíssem melhor do que entravam.

6- O sistema da Febem mudou quando o nome mudou para Fundação Casa?
Está a mesma coisa. Tanto que eles proibiram a nossa entrada. Mas, acabamos de ganhar na justiça o direito de visitar a Fundação Casa. E se a Febem rejeita nossa entrada é porque ela tem o que esconder. Porque eu não vou querer receber alguém se minha casa está uma sujeira, podre e fedida.

7- Os grandes complexos da Fundação Casa diminuíram, conforme o governo do estado de São Paulo divulga?
Sempre foi uma luta da Amar que as unidades fossem pequenas, com cerca de 40 internos, e com as famílias perto dos meninos. Para que a comunidade visite e saiba como esse menino está sendo tratado, para fiscalizar como o governo do estado está gastando o dinheiro dos impostos que nós pagamos. Só que as unidades menores ainda têm torturas, mas não tem mais aquele estrondo dos grandes complexos.

8 – A senhora já sofreu ameaças?
Depois do episódio de janeiro de 2005, quando eles quase mataram os meninos depois de tanto os espancarem, o então presidente da Febem, o advogado e professor universitário Alexandre de Moraes, deu ordem de prisão a alguns funcionários. Eles sabiam que eu quem os tinha denunciado e a partir desse momento, comecei a receber ameaças de morte.

9 - A situação seria diferente se os filhos da classe média estivessem na Fundação Casa?
Com certeza. Tanto é que as cadeias em que estão pessoas com maior poder aquisitivo nem parecem que estão presos. Eles não se acham criminosos, pensam que estão acima da lei. O tratamento é diferente. Se a classe média estivesse na Fundação Casa, o tratamento seria bem diferente.

10 - Qual palavra diria para alguém que está passando pelo que a senhora passou?
Cada um deve buscar a força superior e acreditar que vamos vencer. Ninguém pariu filhos drogados, ladrões. Nunca se omitam, andem sempre de cabeça erguida e não deixe que ninguém as massacre fazendo com que pensem que não souberam criar seus filhos. Para gerar, é necessário o útero materno. Mas para criar, é preciso o útero social e para tanto é preciso ter todas as políticas públicas ao nosso redor para formarmos cidadãos do bem.

------ Publicada em Folha Universal

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