segunda-feira, 7 de abril de 2008

Autistas e Geniais

Aos três anos da idade, André Augusto Robledo, hoje com 17, aprendeu a ler de uma maneira curiosa: através de centenas de nomes de uma lista telefônica. Precoce e de habilidades intelectuais impressionantes, foi assim que seus pais perceberam que ele era especial. Diferente de seu irmão Felipe – um ano mais novo – André Augusto não chorava, falava pouco e não fixava o olhar em quem se aproximava dele. Preocupados com o comportamento do filho, misto de hiperatividade e apatia, os pais buscaram orientação com psicólogos e psiquiatras no Brasil e no exterior. “Foi quando uma médica em Campinas o identificou como autista. Naquela hora, tive um choque, porque imaginava que meu filho ficaria como aqueles personagens de filmes, sempre quietos”, lembra a mãe, Márcia.

Neuza Maria Silva, também é mãe de um rapaz especial, o caçula da família, com 24 anos. Silencioso demais quando criança, André Moreno tinha fixação por objetos, que analisava por horas a fio. “Se alguém desse um carrinho de presente, ele apenas ficava olhando o brinquedo durante um tempão”, recorda Neuza. Os interesses dele sempre foram muito específicos. “Aos quatro anos, ele corrigia alguém que dissesse que era 10 da manhã, quando na verdade era 9h58”, explica a mãe.

O autismo, também conhecido como Transtorno Invasivo de Desenvolvimento (TID), atinge cerca de 5 a 15 pessoas em cada 10 mil, numa proporção de quatro homens autistas para uma mulher. No entanto, André Augusto e André Moreno são considerados autistas de alta funcionalidade, ou portadores da síndrome de Asperger (SA). Segundo a psicóloga e assistente social Eliana Boralli, fundadora da Associação dos Amigos da Criança Autista (Auma), o distúrbio causa alterações no comportamento, na convivência social e na comunicação dos portadores.

Em artigo publicado no “Journal of Child Psychology and Psychiatry”, o pesquisador americano Ami Klin, da Universidade de Yale, analisa que a síndrome de Asperger é um transtorno de desenvolvimento neurológico marcado pelo precoce desdobramento de algumas habilidades, como leitura, mas também pelo atraso em atividades sociais ou comunicativas. “Um dos mais fascinantes fenômenos no autismo é a presença de ilhas mentais para habilidades especiais, como memorização de listas, cálculos de calendários, desenho ou aptidões musicais”, escreve Klin.

Essas capacidades são facilmente identificadas nos dois Andrés. Diante de perguntas como o dia do nascimento ou óbito de alguma celebridade, resultados de jogos de futebol e programações televisivas de todos os dias da semana, André Augusto acerta tudo, como um “Google” humano (site de busca de informações na internet). “David Coultard”, replica instantaneamente, quando questionado sobre o nome do piloto que alcançou a poleposition do GP de Mônaco, no ano 2000. “Em que dia aconteceu?”, desafia o pai. “4 de junho”, rebate o garoto prodígio. A memória também permite que ele decore 25 anos de calendário, informações de programas de televisão e tudo sobre carros. “Quando um automóvel passa por nós, André Augusto fala o ano do carro, o modelo, o endereço da concessionária e o valor exato, além de desenhá-lo com detalhes. Eu nunca conseguiria fazer algo assim”, admira-se o pai, Eduardo.

Já André Moreno desenvolveu sua paixão pela música, graças às aulas dadas pela filha da vizinha. Aprendia tudo muito rapidamente. Tamanho empenho e aptidão musical inquestionáveis foram ingredientes essenciais para moldar a atual profissão dele: pianista. Além de exímio músico, é excelente para fazer cálculos. “Ele sempre foi louco por números”, afirma a mãe dele.

Memorização diferente
A memória e capacidade de resolver problemas matemáticos pelos chamados aspergers é totalmente diferente da maneira como todos aprendem na escola. “Não é por raciocínio lógico que eles alcançam os resultados, mas sim por imagens”, explica Eliana. Dessa maneira, cada número é visto com uma forma que tem cor e textura. Dependendo como duas ou mais figuras são combinadas, encontra-se o resultado exato de uma subtração, divisão, adição ou multiplicação.

André Augusto pouco freqüentou a escola tradicional. “Ele já sabia ler e escrever enquanto as outras crianças ainda estavam aprendendo o alfabeto”, recorda o pai. Devido à alta capacidade de assimilação das lições e ao comportamento hiperativo, o menino precisou deixar o colégio. “O ensino convencional não estava preparado para receber um aluno como ele”, relata a mãe. “Lá ele precisava ficar sentado quieto cinco horas por dia, o que para ele é impossível. Sei que ele tem o direito de estudar em qualquer escola pública ou particular, mas nesses lugares o André Augusto não receberia a atenção que precisa”, argumenta. Além das preocupações educacionais, a família temia pela reação dos outros alunos com seu filho especial. “Na escola eu percebo que alguns garotos pegam no pé de outros. Então, se ele estudasse na mesma escola que eu, teria que tomar conta dele em vez de estudar”, explica o irmão Felipe.

O pequeno gênio foi confiado à Auma, para que recebesse o aprendizado necessário para a vida em sociedade. “Eles aprendem o comportamento humano, mas não o entendem, já que viver em sociedade exige interpretação das leis e regras”, analisa Eliana Boralli. “Num velório, um asperger pode falar alto, porque não entende o acontecimento. Por isso, é preciso explicar para ele que é preciso agir de forma complacente naquele momento”, exemplifica.

A mãe de Moreno sentiu na pele a dificuldade de inclusão do filho em colégios convencionais. “Toda vez que eu era honesta e explicava que ele era um menino especial as escolas diziam que não aceitavam quem era diferente“, lamenta Neuza. Defendendo a permanência de Moreno na escola, a mãe dele precisou comprar brigas com os diretores. “Eles excluíam em vez de incluir”, conta.

Inteligência extraordinária
Poucos sabem do quadro de transtorno neurológico que grandes personagens da história apresentavam. Albert Einstein, Wolfgang Amadeus Mozart e Bill Gates são alguns exemplos da genialidade desencadeada pela síndrome de Asperger. “Analisando o perfil comportamental, inteligência e comunicação, eles reúnem todas as características que conduzem a um diagnóstico de síndrome de Asperger”, conclui a Eliana.

Um dos melhores amigos da psicóloga é tão genial quanto os grandes mestres da ciência. Alto executivo de uma multinacional, ela conta que ele fala nove idiomas e diferencia espécies de pássaros com a mesma facilidade com que compõe músicas. Como forma de se preservar contra algum tipo de preconceito, prefere não conceder entrevistas. “Ele veste uma armadura e interpreta a normalidade. Poucos sabem que ele tem transtorno invasivo de desenvolvimento”, conta Eliana. Segundo ela, no entanto, ele orienta famílias como tradutor do mundo interior dos pequenos autistas. “Acho que a natureza foi muito generosa ao criar a síndrome de Asperger, pois eles são os intérpretes de quem não consegue se expressar”, agradece a psicóloga que tem uma filha autista.

-- publicado em Folha Universal
foto: Lumi Zunica